INTRODUÇÃO
Tudo o que somos: a nossa  aparência, os traços da personalidade, a maneira como reagimos nas relações com  o mundo físico e outros seres, diferentes ou semelhantes, é o resultado de uma  complexa interação, a nível molecular, celular e de organismo, entre o material  biológico que herdamos de nossos genitores e o meio  ambiente.
Há duas filosofias básicas a  adotar com relação às ocorrências que alguém pode encontrar em sua vida: a  resignação e a adaptação, ou a rebeldia e tentativa de mudança. É muito provável  que haja um substrato genético (mediado por hormônios e outras substâncias) que  irá condicionar, em parte, qual das duas atitudes será tomada por uma  determinada pessoa, embora o ambiente físico e sócio-cultural, bem como a  história individual, também possam influir.
Ambas as filosofias  estiveram bem representadas, durante os primeiros anos deste século, entre os  geneticistas e pesquisadores de áreas afins. O título de um livro sobre herança  publicado em 1974, por Rife, Dados do  destino, pode ser mencionado como exemplo para o primeiro tipo de atitude. A  decisão sobre ter ou não ter uma doença genética estaria fora do nosso controle.  Associada a esta, existia a idéia, arraigada até hoje, de que moléstia  hereditária não tem cura.
O movimento eugenista da  década dos 30 pode ser indicado como representativo do segundo tipo de  filosofia. Havia a crença ingênua de que, através de um trabalho vigoroso, seria  possível eliminar-se males sociais ou problemas físicos geneticamente  condicionados num período relativamente curto de tempo. A extensão dessas idéias  e sua deturpação através da ''higiene racial' 'da Alemanha nazista, desenvolvida  especialmente na década seguinte, trouxe como conseqüência o afastamento dos  geneticistas conscientes do movimento eugênico; e a conotação negativa que tal  termo criou foi tamanha que as duas sociedades com esse nome existentes nos  Estados Unidos e na Inglaterra resolveram mudar o título das suas revistas,  substituindo a palavra "eugenia" por "biologia social" ou "ciência  bio-social".
Progressos recentes no  conhecimento da genética e ciências afins estão possibilitando um controle cada  vez mais estrito sobre a reprodução humana, com o poder de influência direta  sobre o DNA ; por outro lado, o número de doenças genéticas passíveis de  diversos tipos de tratamento aumentou consideravelmente nos últimos anos,  tornando obsoleta a idéia de que nada se poderia fazer nesses  casos.
AGENESIA DENTÁRIA
Situações de consultório
A mãe de uma criança vem  consultá-lo informando que nunca se desenvolveram dentes em seu filho, apesar de  já estar com 6 anos de idade. Ela inveja sua vizinha, que teve uma criança que  já nasceu com dois incisivos centrais mandibulares à mostra. Na semana seguinte  uma jovem de 13 anos, preocupada com sua aparência, procura-o para que lhe sejam  colocados incisivos laterais maxilares artificiais, pois o do lado esquerdo é  muito reduzido, e o do lado direito nunca apareceu. Outro jovem, totalmente  calvo apesar de ter apenas 22 anos de idade e apresentando dificuldades de  transpiração vem colocar uma dentadura postiça, devido à ausência (não erupção)  de l0 dentes. Nos dois últimos casos há outras pessoas similarmente afetadas nas  famílias dos mesmos.
Todas essas  situações relacionam-se com graus diversos de AGENESIA DENTÁRIA, que pode  expressar-se desde a ANODONTIA (ausência total de dentes) até a HIPODONTIA  (ausência de um ou poucos dentes).
Para  compreender perfeitamente os casos acima apresentados, é necessário,  preliminarmente, uma análise:
(a) Do processo de divisão  celular que ocorre nos tecidos do embrião em desenvolvimento e continua em  muitos órgãos do indivíduo adulto, a MITOSE, Divisões desiguais na quantidade de  citoplasma destinado às células-filhas e ritmos diferentes de divisão são os  responsáveis primários pela diferenciação em tecidos e órgãos de um organismo  multicelular.
(b) Da MEIOSE, divisão especial  que leva à formação das CÉLULAS GERMINATIVAS, as quais constituem as pontes  biológicas entre as gerações.
As bases físicas da herança
A unidade da herança  biológica é constituída por um segmento de uma substância denominada ácido  desoxiribonucleico (DNA). Onde se encontra esta última? Nos cromossomos,  elementos diferenciados que ocorrem nos núcleos de todas as células. Análises de  cromossomos isolados revelam dois componentes principais: DNA e histona (uma  proteína básica). Estas duas substâncias, em quantidades aproximadamente iguais,  constituem cerca de 90% da massa da maioria dos cromossomos. Os restantes 10%  são formados por proteína não-histônica, com uma pequena porção de ácido  ribonucleico (RNA).
Em termos muito  simplificados, a síntese protéica ocorre da seguinte maneira: o DNA, através do  processo de transcrição, fornece um molde para o RNA; e este, por sua vez,  traduz esta informação para formar as proteínas. A duplicação do DNA ocorre  através de sua replicação. O esquema geral é o seguinte:
Fig.1
Quase todas  as células podem sintetizar proteínas; o processo ocorre principalmente no  citoplasma, mas também um pouco no núcleo. Os sítios de síntese são organelas  chamadas ribossomos. Um segmento de DNA é denominado um gene. Quando ele ocorre  em mais de uma forma (por exemplo, A e a), diz-se que apresenta diferentes  alelos. Nos organismos com reprodução sexuada um certo indivíduo vai receber,  com relação a uma determinada característica, um alelo de seu pai e réplicas do  mesmo, ou outro, de sua mãe. Portanto, quando considerarmos um sítio genético  determinado (loco), é sempre em termos de pares (e o organismo é denominado  diplóide). Se os alelos são idênticos, diz-se que o indivíduo é homozigoto (por  exemplo, AA ou aa); se diferentes, heterozigoto (Aa). O conjunto de todos os  genes é denominado genótipo (ou genoma); e sua manifestação, fenótipo. Estes  dois termos podem ser usados, também, com referência a um só sítio genético.
DOENÇAS HEREDITÁRIAS QUE AFETAM OS DENTES
HERANÇA LIGADA AO X. A HIPÓTESE DE  LYON
Situação de consultório
Um senhor de 44 anos de  idade procura-o para que faça a extração do primeiro molar maxilar direito,  bastante cariado. Informa-o, no entanto, de que é hemofílico. Segundo ele, a  queda dos dentes na primeira dentição ocorreu de maneira normal, e apenas numa  ocasião houve hemorragia de intensidade evidente. Já extraiu quatro dentes da  dentição definitiva, dois em cada intervenção. Na primeira houve hemorragia  evidente por 15 dias; na segunda, esta foi muito mais acentuada, tendo ele de  ser hospitalizado e receber uma transfusão. Nega a ocorrência de gengivorragia.  Segundo ele, três sobrinhos seus (dois filhos de uma irmã com 30 anos e o  terceiro de outra, com 28) também apresentam problemas hemorrágicos. De comum  acordo com o médico que trata desse senhor, você o aconselha a uma dose  profilática de crioprecipitado de Fator VIII, transcorrendo a extração sem  incidentes. Não é realizada a sutura do alvéolo dentário, pois o fio atuaria  como corpo estranho, aumentando o consumo de Fator VIII. Posteriormente, foi-lhe  aconselhada dieta líquida fria no primeiro dia, líquida e pastosa no segundo e  terceiro, e lavagem freqüente da boca com solução isotônica de NaCl gelada, para  evitar a formação de coágulo volumoso. Aconselhou-se, também, que a higiene oral  fosse feita com antissépticos.
A hemofilia é apenas uma das  doenças hemorrágicas hereditárias com manifestações orais. O seu padrão de  herança típico, recessivo ligado ao X, já era parcialmente conhecido no início  da nossa era, como pode ser comprovado pela leitura do  Talmude.
Critérios para  a identificação da herança recessiva ligada ao X
1. O traço ocorre muito mais  freqüentemente em homens do que em mulheres.
2. Ele é passado de um homem  afetado, através de todas as suas filhas, para a metade dos filhos  destas.
3. Não há nunca transmissão  pai-filho.
4. O relacionamento entre  irmandades com pessoas afetadas se faz através de  mulheres.
Critérios para  a identificação da herança dominante ligada ao X
1. Homens afetados terão  todas as filhas afetadas, porém nenhum filho.
2. A segregação da  característica, na progênie de mulheres afetadas, é indistingüível da observada  na herança autossômica dominante.
3. Observam-se mais mulheres  que homens com a condição (se a característica é rara, haverá duas vezes mais  mulheres que homens com a condição).
Herança  holândrica
Genes localizados no  cromossomo Y são herdados, como o sobrenome, exclusivamente através da linguagem  masculina. Um homem afetado transmitirá o traço a todos os seus filhos, mas a  nenhuma de suas filhas. Deve-se salientar, no entanto, que existe apenas uma  característica fenotípica simples (hipertricose na orelha), que parece  localizar-se neste cromossomo. Na maior parte do mesmo ocorrem fatores  relacionados com a espermatogênese, maturação dos testículos e crescimento  somático em geral. No que se refere especificamente à dentição, o efeito ainda  não bem caracterizado deste cromossomo parece ser o de retardar a época de  maturação dentária, mas também o de condicionar dentes maiores no final do  processo.
Herança  limitada e influenciada pelo sexo
Existem genes localizados  nos autossomos, cuja expressão, porém, depende do sexo do indivíduo portador.  Quando a dependência de expressão é absoluta, isto é, quando o gene só se  manifesta em um sexo, fala-se de herança limitada ao sexo. Um exemplo é o de um  gene que condiciona puberdade precoce em homens (com aceleração do crescimento  aos quatro anos de idade e fusão precoce das epífises dos ossos longos) mas não  apresenta efeito nenhum nas mulheres.
Por outro lado, certas  características podem expressar-se nos dois sexos, mas o fazem com muito mais  freqüência em um do que no outro (herança influenciada pelo sexo). O exemplo  clássico, aqui, é a calvície, muito mais comum em homens.
A hipótese de  Lyon
As mulheres têm dois  cromossomos X, e os homens um só. Entretanto, produtos condicionados por genes  localizados neste cromossomo são formados em quantidade aproximadamente iguais.  Como ocorre esta compensação de dose? Supunha-se que, nos mamíferos, houvesse  algum mecanismo regulatório que fizesse com que a atividade, no cromossomo X  isolado, fosse o dobro da atividade de dois X quando estivessem juntos na mesma  célula. Mary Lyon, uma pesquisadora inglesa, foi a primeira a explicitar em  detalhes uma teoria, hoje já amplamente comprovada pelos fatos, fornecendo uma  base física para o fenômeno. Em síntese, a hipótese é a  seguinte:
(a) Nas células somáticas  das fêmeas dos mamíferos apenas um cromossomo X é ativo. O segundo X está  condensado e inativo, e aparece nas células interfásicas como um corpúsculo bem  delimitado localizado próximo à membrana nuclear (a cromatina  sexual).
(b) A inativação ocorre bem  no início da vida embrionária.
(c) O X inativo pode ser de  origem tanto paterna como materna, nas diferentes células de uma fêmea. Mas,  após a "decisão" de qual dos X será inativado em uma determinada célula, todas  as suas células descendentes ''mantêm a decisão", isto é, terão o mesmo X  inativado. A inativação ocorre ao acaso mas é fixa.
MANIFESTACÕES  ORAIS E FACIAIS DAS ANOMALIAS CITOGENÉTICAS
Situação de  consultório
A mãe de uma criança (M.L.)  com a síndrome de Down leva-a ao seu consultório devido a doença periodontal  séria. Trata-se de um menino de oito anos, com aspectos característicos da  doença: baixa estatura, hipotonia, retardo mental, cabeça achatada, olhos com  pregas epicânticas, mãos curtas e largas com uma única linha palmar (prega  simiesca) e clinodactilia (encurvamento) do quinto dedo. O exame oral revela,  além da doença periodontal (muito freqüente nestes casos), língua fissurada e  aumentada em relação ao normal. O volume da mesma faz com que M.L. permaneça  quase permanentemente de boca aberta. Os caninos, os primeiro e segundo morares  ainda são da dentição decídua, e apresentam-se um pouco aumentados em relação ao  tamanho normal, em contraste com os incisivos centrais e laterais, bem como os  primeiros molares permanentes, que são de tamanho reduzido. Há ligeira  assimetria nas arcadas. Apesar da higiene precária, havia apenas um dente  cariado.
A síndrome de Down, ou  mongolismo, é causada por aberrações cromossômicas que resultam na ocorrência,  em dose tripla, de material do cromossomo 21. É a mais comum das doenças  originadas por problemas deste tipo.

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